terça-feira, 26 de maio de 2009

Certeza absoluta, portanto, não há.

Recentemente, ganhei de um grande amigo, um livro chamado “Uma breve história do Mundo” de Geoffrey Blainey, li algumas páginas − gostei! Irei lê-lo completo em breve. Atualmente, tenho lido “Auto-engano” do economista e cientista político Eduardo Giannetti. O livro é tão bem escrito, a temática tão bem apresentada, que parece poesia. Tenho o costume de chamar de poetas todos os autores que dominam a abordagem que propõem, por que fica tão entusiástica a leitura que é quase mágico. Parece que ele está contando pra você. Esse livro tem essa “magia”.
Tem umas passagens no livro que são fantásticas. Quem nas discussões com os mais próximos não disse que ninguém é o dono da verdade, (quem nunca disse isso a alguém) numa súplica a compreensão do outro para que abandone seu mundo restritivo e sufocador? Na nossa fraca idéia de que o que é familiar é conhecimento. Isso estagna e opaca as diversas possibilidades.
Giannetti consegue com o mundo do dia a dia “ninguém é dono da verdade” transpor para mundo do lógica do conhecimento. “Certeza absoluta, portanto, não há. Afirmá-la seria negar que o desconhecido seja desconhecido. Seria supor a) que a fronteira máxima e intransponível do conhecimento foi alcançado ou, no mínimo, b) que o que falta conhecer é necessariamente ‘bem-comportado’, ou seja, alguma coisa aditiva e não subversiva vis-à-vi o saber preexistente. A primeira hipóteses implica um dogmatismo descabido e terminal; a segunda prejulga, de modo injustificado, o que pela sua própria natureza não se pode saber. Para quem busca o conhecimento, portanto, e não o ópio de crenças bem enraizadas no solo do acreditar, surpresas e anomalias são achados valiosos.”
Pois é! O livro vai costurando comportamentos, questionamentos, hábitos, crenças, racionalidade numa mistura bem organizada e bem sucedida. Entender a idéia “que não somos os donos da verdade” sob esse enfoque é maravilhoso. Sem as rinhas do egoísmo e das brigas pessoais... Paradoxalmente, (para dar o gosto do velho chavão), a verdade é uma só “certeza absoluta não há”.

domingo, 17 de maio de 2009

A sordidez humana

Hoje, lendo a revista Veja desta semana, encontrei um ótimo escrito de Lya Luft, e vou compartilhar com vocês. Boa leitura.

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"Que lado nosso é esse, feliz diante da desgraça alheia? Quem é esse em nós, que ri quando o outro cai na calçada?"

Ando refletindo sobre nossa capacidade para o mal, a sordidez, a humilhação do outro. A tendência para a morte, não para a vida. Para a destruição, não para a criação. Para a mediocridade confortável, não para a audácia e o fervor que podem ser produtivos. Para a violência demente, não para a conciliação e a humanidade. E vi que isso daria livros e mais livros: se um santo filósofo disse que o ser humano é um anjo montado num porco, eu diria que o porco é desproporcionalmente grande para tal anjo.

Que lado nosso é esse, feliz diante da desgraça alheia? Quem é esse em nós (eu não consigo fazer isso, mas nem por essa razão sou santa), que ri quando o outro cai na calçada? Quem é esse que aguarda a gafe alheia para se divertir? Ou se o outro é traído pela pessoa amada ainda aumenta o conto, exagera, e espalha isso aos quatro ventos – talvez correndo para consolar falsamente o atingido?
O que é essa coisa em nós, que dá mais ouvidos ao comentário maligno do que ao elogio, que sofre com o sucesso alheio e corre para cortar a cabeça de qualquer um, sobretudo próximo, que se destacar um pouco que seja da mediocridade geral? Quem é essa criatura em nós que não tem partido nem conhece lealdade, que ri dos honrados, debocha dos fiéis, mente e inventa para manchar a honra de alguém que está trabalhando pelo bem? Desgostamos tanto do outro que não lhe admitimos a alegria, algum tipo de sucesso ou reconhecimento? Quantas vezes ouvimos comentários como: "Ah, sim, ele tem uma mulher carinhosa, mas eu já soube que ele continua muito galinha". Ou: "Ela conseguiu um bom emprego, deve estar saindo com o chefe ou um assessor dele". Mais ainda: "O filho deles passou de primeira no vestibular, mas parece que...". Outras pérolas: "Ela é bem bonita, mas quanto preenchimento, Botox e quanta lipo...".

Detestamos o bem do outro. O porco em nós exulta e sufoca o anjo, quando conseguimos despertar sobre alguém suspeitas e desconfianças, lançar alguma calúnia ou requentar calúnias que já estavam esquecidas: mas como pode o outro se dar bem, ver seu trabalho reconhecido, ter admiração e aplauso, quando nos refocilamos na nossa nulidade? Nada disso! Queremos provocar sangue, cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira.
Não todos nem sempre. Mas que em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso, ou simplesmente medíocre e covarde, como é a maioria de nós, ah!, espreita. Afia as unhas, palita os dentes, sacode o comprido rabo, ajeita os chifres, lustra os cascos e, quando pode, dá seu bote. Ainda que seja um comentário aparentemente simples e inócuo, uma pequena lembrança pérfida, como dizer "Ah! sim, ele é um médico brilhante, um advogado competente, um político honrado, uma empresária capaz, uma boa mulher, mas eu soube que...", e aí se lança o malcheiroso petardo.

Isso vai bem mais longe do que calúnias e maledicências. Reside e se manifesta explicitamente no assassino que se imola para matar dezenas de inocentes num templo, incluindo entre as vítimas mulheres e crianças... e se dirá que é por idealismo, pela fé, porque seu Deus quis assim, porque terá em compensação o paraíso para si e seus descendentes. É o que acontece tanto no ladrão de tênis quanto no violador de meninas, e no rapaz drogado (ou não) que, para roubar 20 reais ou um celular, mata uma jovem grávida ou um estudante mal saído da adolescência, liquida a pauladas um casal de velhinhos, invade casas e extermina famílias inteiras que dormem.
A sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso. Ninguém me diga que o criminoso agiu apenas movido pelas circunstâncias, de resto é uma boa pessoa. Ninguém me diga que o caluniador é um bom pai, um filho amoroso, um profissional honesto, e apenas exala seu mortal veneno porque busca a verdade. Ninguém me diga que somos bonzinhos, e só por acaso lançamos o tiro fatal, feito de aço ou expresso em palavras. Ele nasce desse traço de perversão e sordidez que anima o porco, violento ou covarde, e faz chorar o anjo dentro de nós.

sábado, 16 de maio de 2009

De alguma forma estamos em travessia

A forma que vemos o mundo é determinante no rumo. Na verdade, é um parto. Um processo que começa...vai...vai (algumas vezes, nem você percebe) e quando vê, o mundo se descortina sobre você de uma outra forma.
Não sabemos se é exatamente como Vinícius de Moraes falou que “vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida" ou como diz Lia Luft “vai depender de cada um de nós que sua vida seja território seu ou apenas emprestado[…] Que seja campo para correr perseguindo projetos e colhendo vivências, ou cova estreita onde a gente se esconde e aguarda o golpe final”, ou mesmo o grande Mário Quintana que é "tão bom viver dia a dia. A vida assim jamais cansa. E só ganhar, toda a vida, inexperiência, esperança. Nada jamais continua, tudo vai recomeçar!"
Na verdade, todos não há como ser diferente, se pudéssmos negar a travessia, seríamos os eternos medíocres, pois a travessia proporciona o recriar, e até o criar novas coisas. E o importante é realmente nos permitirmos o processo, pois ele tem que acontecer. Nada de jogar as unhas na terra na imaturidade e agarrar-se com medo do abrir as cortinas para o novo ato da peça da vida.
Citando Eduardo Giannetti em trecho do seu livro "Auto-Engano" onde ele diz " é por isso que tudo o que vivemos, ou seja, toda a nossa experiência passada e a imagem que temos de nós mesmos são na melhor das hipóteses construções provisórias, sujeitas a revisões mais ou menos drásticas de acordo com o caráter do que vamos descobrindo e vivenciando ao longo de nossa trajetória pessoal". Embora nesta vida possamos gaguejar nos nossos atos que podem ser cômicos ou trágicos – é assim. E tantas coisas são renovadas, mudam-se as coisas das gavetas, ocorre o outono dos valores. Folhas velhas caem e aparecem novas – num processo de autorenovação.
O que há em comum entre as citações acima é o falar desta travessia “encontros e desencontros”; “que sua vida seja seu território” e “inexperiência, esperança...tudo vai recomeçar”, pois estamos em travessia e aprendamos que o outono é pra todos e que a primavera dará as flores que quisermos.
A. Cirne